O livro “Leitura e Cárcere: (Entre) Linhas e Grades, o Leitor Preso e a Remição de Pena” de Rossaly Beatriz Chioquetta Lorenset é uma obra que propõe uma profunda reflexão sobre o papel da leitura no ambiente prisional. Através de uma análise densa e sensível, a autora discute se a leitura é meramente uma moeda de troca para a redução de pena ou se pode oferecer aos detentos a possibilidade de reflexão, identificação e fruição, mesmo em um contexto tão adverso como o cárcere.

Lorenset aborda questões essenciais sobre o direito de leitura para os presos, investigando se essa prática pode remediar as faltas e carências produzidas pelo próprio Estado. Ela provoca uma reflexão sobre a capacidade da leitura de fornecer uma fuga emocional e intelectual, permitindo que os presos se identifiquem com os personagens das obras lidas e escapem, ainda que momentaneamente, da dura realidade atrás das grades.

Em um ambiente onde os corpos são depositados e neutralizados, sujeitos a condições hostis e inimagináveis, a leitura se apresenta como uma possível experiência de fruição. Lorenset questiona se o direito de ler para um sujeito sem direitos pode ser uma resposta às ausências estruturais e de justiça social. A obra leva o leitor a pensar sobre como a literatura pode trazer visibilidade a realidades invisíveis e ignoradas, promovendo uma reflexão crítica sobre as desigualdades sociais e as falhas do sistema penitenciário.

Uma parte crucial do livro são as entrevistas realizadas com apenados do Presídio Regional de Xanxerê, em Santa Catarina. Lorenset analisa detalhadamente as falas dos presos, explorando a tensão entre o dito e o não dito, e as interpelações do inconsciente. A autora investiga como as narrativas dos detentos revelam negações, pré-construídos e súplicas por olhares e escutas. Essas enunciações são interpretadas como clamores por reconhecimento e dignidade, mesmo em meio à opressão carcerária.

A obra de Lorenset também lança luz sobre o funcionamento do sistema de segurança e justiça, as condições do sistema penitenciário e os fins e justificativas da pena. Ao abordar a leitura como um dispositivo de remição de pena sob as regras da Lei no Brasil, a autora questiona a eficácia e a humanidade dessas políticas. Ela sugere que, enquanto o discurso da Lei grafica direitos que garantem aspectos de humanidade, o discurso da prisão agrava castigos e sofrimentos no corpo e na alma dos sentenciados.

“Leitura e Cárcere” é uma leitura impactante que convida o público a adentrar nos muros da prisão e a compreender as complexidades do sistema carcerário brasileiro. Lorenset mostra que a leitura pode ser um meio de resistência e de preservação da dignidade humana, mesmo em um contexto de extrema adversidade. A obra ressalta a importância de reconhecer os presos como sujeitos de direitos, enfatizando a necessidade de políticas públicas que promovam a reintegração social e a justiça.

Os relatos dos presos entrevistados demonstram que a leitura pode, de fato, provocar reflexões profundas e proporcionar momentos de identificação e evasão. Os presos relatam experiências em que a leitura lhes permitiu visualizar mundos além das grades e refletir sobre suas próprias vidas e escolhas. Esses momentos de introspecção são cruciais para a construção de uma nova identidade e para a preparação de uma eventual reintegração na sociedade.

Rossaly Beatriz Chioquetta Lorenset, em “Leitura e Cárcere”, oferece uma análise crítica e humanizadora do papel da leitura no sistema prisional. Sua obra destaca a leitura como um potencial caminho para a redenção e a reflexão, mesmo em meio à repressão e ao sofrimento. A autora nos desafia a repensar o sistema penitenciário e a considerar a literatura não apenas como um meio de redução de pena, mas como uma ferramenta de transformação pessoal e social.

No geral, “Leitura e Cárcere” é uma contribuição valiosa para os estudos sobre a leitura no contexto prisional e para a compreensão das dinâmicas de poder e resistência no sistema carcerário. A obra de Lorenset é uma leitura essencial para aqueles que buscam entender as complexidades da reintegração social e os desafios enfrentados pelos presos no Brasil.

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