A letra “A” tem meu nome: o homem que conversara com a televisão, de Tiago Ramos e Mattos, é uma obra impressionante

Tiago Ramos e Mattos nos entrega em ‘A letra “A” tem meu nome: o homem que conversara com a televisão’ um romance biográfico que mistura ficção, delírio e reflexões psicológicas profundas.

Com ousadia e originalidade, a obra narra a trajetória de James Campina Flores, um personagem tão singular quanto enigmático, cuja obsessão pela letra “A” atravessa toda a narrativa.

Desde o título, fica claro que a letra “A” não será apenas um elemento linguístico. Para James, o “A” extrapola o óbvio e assume diferentes significados: um desvio, uma ausência e até uma personificação.

É curioso como o autor transforma uma simples vogal em algo capaz de resumir e expandir o universo psicológico do protagonista.

Ele conduz o leitor a refletir sobre como símbolos aparentemente banais podem carregar significados profundos, dependendo de quem os interpreta. A obsessão de James pela letra parece ser o reflexo de uma busca incessante por sentido em um mundo que o rejeita.

O “A” surge como um símbolo universal e subjetivo. Linguisticamente, é a primeira letra do alfabeto, uma base. Mas, para James, o “A” é algo muito mais pessoal, quase um espelho de sua existência. Esta perspectiva confere à narrativa um caráter filosófico que atravessa a história: o que é essencial para um indivíduo pode ser irrelevante para outro.

A forma como o autor usa esse artifício torna o livro uma biografia de James e um estudo sobre a condição humana. A linha entre o que é real e o que é fruto da mente perturbada de James é uma das grandes forças do romance. O autor nos coloca constantemente em um estado de dúvida, e isso não é acidental.

James, vítima de bullying na adolescência e enfrentando episódios de depressão, é descrito como alguém que conversa com a televisão. É nesse diálogo improvável que a história ganha tons de surrealismo e introspecção, enquanto desafia o leitor a decidir o que acreditar.

O ponto alto da narrativa é a ambiguidade. Mattos não entrega respostas fáceis. Ele prefere deixar que o leitor caminhe ao lado de James, tentando compreender seus delírios e identificar os momentos de lucidez. Esse jogo narrativo, além de instigante, reflete a experiência de quem vive com distúrbios psicológicos, onde a realidade e a fantasia frequentemente se misturam.

A televisão, nesse contexto, é um elemento simbólico. Para James, ela representa tanto uma fuga quanto um palco para seus sonhos. Ele queria tocar com sua banda na TV, mas acabou estabelecendo uma conexão mais íntima e, talvez, metafórica com o aparelho. A televisão torna-se uma janela para um mundo idealizado, mas também um espelho que reflete sua solidão e seus anseios.

Um dos temas mais fortes do livro é o impacto do bullying na formação de James. Desde cedo, ele enfrentou rejeição e preconceito, o que contribuiu para sua fragilidade emocional e sua desconexão com a realidade. O autor aborda essa questão com sensibilidade, mostrando como as cicatrizes deixadas por essas experiências moldaram a personalidade de James e sua percepção de si mesmo.

O sonho de tocar na televisão com sua banda pode ser interpretado como uma tentativa de James de superar esse passado doloroso e encontrar um lugar no mundo. É como se ele buscasse validar sua existência em um espaço que antes o havia excluído. No entanto, a narrativa nos faz questionar até que ponto esse desejo é fruto de uma ambição legítima ou apenas mais um reflexo de seus delírios.

Ao longo da leitura, percebemos que James não busca apenas aceitação externa, mas também uma reconciliação interna. A obsessão pela letra “A” e sua relação com a televisão parecem ser mecanismos que ele usa para entender a si mesmo. É nesse aspecto que o romance ganha profundidade psicológica e se conecta com o leitor, que pode se ver refletido, de alguma forma, na jornada de James.

Tiago Ramos e Mattos constrói a obra dentro de uma estrutura biográfica, mas com liberdade para adicionar elementos ficcionais que enriquecem a narrativa. A vida de James é narrada desde o nascimento até sua quase morte, mas, em vez de seguir um caminho linear e previsível, Mattos insere episódios de delírio e cenas que flertam com o fantástico.

Essa mistura de realidade e ficção é um dos maiores trunfos do livro. O leitor é convidado a participar ativamente da história, questionando o que é verdade e o que é invenção. Essa estratégia narrativa não apenas mantém o interesse ao longo da leitura, mas também reforça a ideia de que a verdade é subjetiva e muitas vezes impossível de definir.

Além disso, a escolha de Mattos de transformar uma pesquisa acadêmica – o livro nasceu de um projeto de pós-doutorado – em uma obra literária demonstra sua habilidade como escritor. Ele consegue equilibrar o rigor da pesquisa com a liberdade criativa, resultando em um texto que é ao mesmo tempo acessível e profundamente reflexivo.

Um dos aspectos mais impressionantes do livro é sua originalidade. A premissa – um homem obcecado pela letra “A” que conversa com a televisão – poderia facilmente cair no absurdo ou no clichê, mas Mattos consegue transformá-la em uma experiência rica e envolvente. A ousadia de abordar temas como delírio, depressão e bullying de forma tão direta, mas também sensível, é um dos grandes méritos da obra.

A narrativa é, acima de tudo, uma exploração da mente humana. Mattos não tem medo de mergulhar nos aspectos mais sombrios da psique de James, mas o faz com empatia, evitando julgamentos. Essa abordagem confere ao livro um tom universal, mesmo sendo profundamente pessoal.

Tiago Ramos e Mattos demonstra uma habilidade excepcional em criar uma história que é ao mesmo tempo íntima e universal. A trajetória de James Campina Flores pode ser única, mas os temas que ela aborda – busca por identidade, impacto do bullying, luta contra a depressão – são profundamente humanos e tocam qualquer leitor.

A letra “A” tem meu nome: o homem que conversara com a televisão é uma obra que desafia rótulos e transcende gêneros. Ao mesmo tempo em que é uma biografia, é também um romance psicológico e uma reflexão filosófica. Tiago Ramos e Mattos conduz o leitor por uma jornada que é tão emocionante quanto desconcertante, provando que a literatura ainda tem o poder de surpreender.

Com sua originalidade, profundidade e sensibilidade, o livro se torna uma leitura indispensável para quem busca histórias que vão além do óbvio e que têm a capacidade de transformar nossa forma de ver o mundo – e a nós mesmos.

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Jornalista formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Mestrando em Comunicação pelo PPGCOM da UFPE. Amante da cultura pop, apaixonado por livros e adora escrever sobre temas diversos. Além disso, é um entusiasta de música, filmes e séries, sempre buscando explorar e compartilhar suas impressões sobre o mundo do entretenimento.

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