
Estilhaços de Junho, de Fernanda Hamann, é uma obra potente que expõe os fragmentos de uma década em brasa
Fernanda Hamann nos entrega, em Estilhaços de Junho, uma coletânea de contos que não apenas observa a realidade, mas a tensiona, desorganiza e reflete, como um espelho estilhaçado que devolve ao leitor fragmentos de uma década marcada por rupturas sociais, políticas e afetivas.
A obra se debruça sobre os eventos iniciados em junho de 2013, quando as manifestações pelo aumento das passagens de ônibus em São Paulo rapidamente se espalharam pelo país, tornando-se símbolo de uma insatisfação coletiva que, com o tempo, se desdobrou em múltiplas direções, muitas delas assustadoras.
Esse arco histórico se estende até 8 de janeiro de 2023, data que marca a invasão das sedes dos Três Poderes por extremistas. A partir dessa linha do tempo, Hamann constrói onze contos que mesclam ficção e realidade, memória e crítica, raiva e reflexão.
A pluralidade dos estilhaços
Cada conto assume uma forma, uma linguagem e um olhar. Em comum, estão os escombros de um país que ainda tenta entender a si mesmo. São empregadas domésticas, pastores evangélicos, jornalistas, policiais, madames, manifestantes, o “povo estilhaçado”, como define a autora.
Essa multiplicidade de vozes é o maior trunfo do livro, pois nos força a enxergar o país em sua complexidade, em suas fraturas e contradições.
Hamann mergulha com coragem nas subjetividades atravessadas pela política e pela dor coletiva. Seus personagens, ainda que fictícios, espelham o Brasil real: aquele das ruas tomadas por cartazes, das redes sociais saturadas de ódio e exibicionismo, da falência da empatia e da exaustão das tentativas de diálogo.
A forma como mensagem
Os contos têm títulos que remetem a datas emblemáticas e episódios marcantes. A estrutura narrativa acompanha a instabilidade do período: ora linear, ora fragmentada; ora serena, ora explosiva.
Essa escolha reforça a ideia de que os anos entre 2013 e 2023 não foram um percurso coeso, mas uma sucessão de abalos sísmicos, onde o chão sob nossos pés parecia ceder a cada nova crise.
Hamann não escreve com distanciamento. Há raiva, ironia, dor, compaixão, tudo isso pulsa em sua escrita como reflexo de uma nação exausta. Sua literatura é combativa, mas também sensível. Faz rir com desconforto, faz chorar com lucidez. É uma leitura que convoca e incomoda, que exige que o leitor se posicione.
Autoficção nacional
Estilhaços de Junho pode ser lido como uma espécie de autoficção coletiva: somos todos, de algum modo, personagens dessa história.
Ao transformar acontecimentos recentes em literatura, Hamann propõe uma escrita que se quer memória, mas também crítica e aviso. Como ela mesma sugere, o incêndio não acabou; ainda arde, ainda faz fumaça.
A obra também provoca reflexões profundas e mais amplas: como lidar com a democracia em tempos de radicalização? Como sustentar a convivência em meio ao colapso do diálogo? Como resgatar o espírito coletivo em um mundo cada vez mais individualista e fragmentado? E o mais crucial: como sustentar uma nação em tempos de colapso democrático?
Uma leitura urgente
O livro é um convite a enxergar o que muitos preferem não ver. Ao dar voz aos “estilhaços”, Fernanda Hamann constrói uma narrativa que tem o poder de revelar tanto os traumas quanto as esperanças de um país ainda em busca de sua identidade.
Para quem acompanha atentamente a cena política brasileira, Estilhaços de Junho é leitura obrigatória. Para quem ainda tenta entender o que aconteceu com o Brasil nos últimos dez anos, é leitura urgente. E para todos que acreditam no poder da literatura de tocar, mover e transformar, é leitura essencial.
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