Resenha | Carioba: as tramas do algodão – Gilberto Hackmann

“Carioba: as Tramas do Algodão” de Gilberto Hackmann é uma obra que apresenta uma rica tapeçaria de vida na pequena comunidade de Carioba, interligando os destinos de quatro personagens abandonados ainda bebês: Beppe, Fortunata, Diogo e Carmela. Abandonados na porta da igreja local, eles são acolhidos sob a tutela da influente família Donner, cujas decisões moldarão suas vidas de maneiras profundas e complexas.

No prólogo, somos introduzidos à cena comovente do abandono dos quatro bebês na antiga casa das freiras. Irmã Therezinha os encontra e, junto com um bilhete que dizia “Os homens honrados de Carioba que cuidem”, começa o enredo que define o futuro das crianças.

A família Donner, influente na comunidade, assume o compromisso de apadrinhá-los e ensiná-los a doutrina da igreja. No entanto, Giuseppe (Beppe) e Fortunata, por suas características físicas, não são completamente aceitos: Beppe, devido a um defeito em uma das pernas, e Fortunata, por sua pele negra clara, são deixados de fora da adoção tradicional.

Fortunata encontra refúgio na vida monástica, dedicando-se à fé e sendo criada no convento. Em 1937, aos 13 anos, ela se torna freira e passa a ser a cuidadora e orientadora de Loretta, uma jovem que aspira trabalhar na tecelagem local. Beppe, por sua vez, luta com visões divinas, vivendo na casa pastoral e liderando uma comissão de moradores que reivindica melhorias para Carioba.

Carmela e Diogo são criados como parte da família Donner. Carmela, desde cedo, enfrenta desafios, tornando-se babá aos dez anos e vivendo sob a sombra de Olga, uma das integrantes da família que a menospreza. Diogo, por outro lado, é tratado como neto pelo patriarca Hans e trabalha como contramestre na fábrica de tecidos, desenvolvendo uma amizade com Domênico, a quem indica para o serviço de auxiliar de escritório.

A narrativa se desenrola na pequena vila de operários de Carioba, onde a família Donner cuida para manter relações pacíficas com os trabalhadores. No entanto, a aparente tranquilidade esconde profundas questões de desigualdade social, racismo e ciúmes.

Fortunata, dedicada à sua fé, torna-se uma figura de liderança na fábrica de tecidos, preocupando-se com a segurança dos operários e lutando por melhores condições de trabalho. Sua bondade e determinação contrastam com a ruindade de Olga, que humilha Carmela constantemente, mostrando o preconceito e a classe superior em ação.

A relação entre os personagens se desenvolve de maneiras inesperadas. Loretta, com sua liderança natural, cria laços com as mulheres da fábrica e desenvolve uma relação intensa com Domênico, o auxiliar de escritório. Diogo, ciente de sua posição como agregado, tenta encontrar seu lugar dentro das dinâmicas complexas da família Donner e da fábrica.

A narrativa também explora as visões divinas de Beppe, que adicionam uma camada de misticismo e introspecção ao enredo. Sua luta interna e seu papel na comunidade de Carioba mostram a dualidade entre fé e realidade, e como as revelações podem ser tanto um fardo quanto uma bênção.

Gilberto Hackmann aborda de forma sensível e tocante temas complexos como a desigualdade social e o racismo, destacando o amor em suas múltiplas formas. A relação fraternal entre os quatro protagonistas, apesar de suas diferentes trajetórias, é um fio condutor que humaniza e enriquece a narrativa.

A desigualdade é personificada nas figuras de Fortunata e Carmela, que enfrentam preconceitos de diferentes formas. Fortunata, como mulher negra e freira, desafia as normas sociais com sua força e fé, enquanto Carmela luta para ser reconhecida e respeitada dentro de uma família que a vê como inferior.

“Carioba: as Tramas do Algodão” é um romance histórico que cativa o leitor com suas personagens bem desenvolvidas e uma narrativa que explora a complexidade das relações humanas e sociais. Gilberto Hackmann consegue, através das vozes de Beppe, Fortunata, Diogo e Carmela, criar um retrato vívido de uma comunidade e das lutas internas e externas que definem seus membros.

O livro é uma leitura indispensável para aqueles que apreciam histórias ricas em detalhes e emoção, oferecendo uma visão profunda sobre como os laços familiares e comunitários podem ser tanto uma fonte de conflito quanto de força. Através de sua prosa envolvente, Hackmann nos convida a refletir sobre as injustiças do passado e a força do amor e da fé na superação das adversidades.

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Jornalista formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Mestrando em Comunicação pelo PPGCOM da UFPE. Amante da cultura pop, apaixonado por livros e adora escrever sobre temas diversos. Além disso, é um entusiasta de música, filmes e séries, sempre buscando explorar e compartilhar suas impressões sobre o mundo do entretenimento.

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