Errantes do Pensamento – O Segredo de Poggio é uma obra que transcende o romance tradicional e se posiciona como uma verdadeira imersão filosófica e literária. Álvaro Fernandes entrega ao leitor uma rapsódia simbólica, fragmentada e profundamente reflexiva, que nos convida a explorar as dobras e contradições da condição humana. Este não é um livro para aqueles que buscam uma narrativa linear e simplista; é uma obra para quem deseja mergulhar nas complexidades do pensamento, da memória e da existência.

A trama segue Urbano, um neurocirurgião que, após um acidente, passa de médico a paciente no mesmo hospital onde trabalha – o complexo hospitalar Santa Dedálica. Este evento, que serve como catalisador para uma crise existencial, coloca Urbano em contato com questões antes ignoradas ou deliberadamente evitadas.

Ele é levado a revisitar seu passado, reconstruir suas relações e confrontar o significado de sua própria existência. É por meio da escrita – sua “narrativa terapêutica” – que Urbano inicia sua jornada de autoconhecimento, em uma tentativa de recuperar o “básico ser” que lhe escapara.

O livro é dividido em três partes que representam estágios dessa jornada introspectiva. Em Tróia Destroçada ou os Des-Troiados, Urbano revisita memórias e enfrenta as contradições de sua vida, confrontando aquilo que destruiu e foi destruído em seu interior.

A segunda parte, A Nau do Nao ou uma Neo-Nau Colonial de Insanos Controlados, é uma metáfora poderosa que o transporta para os mares de sua (in)consciência. Aqui, as reflexões sobre ciência, medicina e filosofia se entrelaçam, mostrando como essas disciplinas moldaram, mas também limitaram, sua percepção de mundo. Finalmente, em Ancoradouro e Orlas Mentais – Bordas Lúcidas, a narrativa culmina em diálogos reveladores e introspecções que solidificam a transformação de Urbano – uma verdadeira metamorfose.

Álvaro Fernandes constrói a narrativa com uma linguagem poética e simbólica, repleta de alusões filosóficas e literárias que enriquecem a experiência do leitor. O autor convoca espectros de pensadores clássicos, marginais e contemporâneos, permitindo que vozes como as de Lucrécio, Foucault e outros ecoem nas páginas.

As notas de rodapé e marginálias, por sua vez, oferecem perspectivas alternativas que estimulam o leitor a construir sua própria interpretação, tanto da história quanto de si mesmo. Essa abordagem não linear e aberta é um convite à reflexão ativa, transformando o leitor em um verdadeiro partícipe da obra.

Entre os personagens que acompanham Urbano em sua jornada, destacam-se Asmin e J., seus colegas do chamado “Trio da Neuro”, e Poggio, uma figura que também busca um sentido para sua existência – seu “sétimo livro”. Os diálogos entre esses personagens são densos e provocativos, questionando os limites da realidade, da verdade e da própria existência. Urbano encontra em Poggio um espelho de suas próprias angústias e um parceiro nessa busca incessante por significado.

Um dos pontos mais marcantes do livro é a habilidade de Álvaro Fernandes em trabalhar as nuances entre lucidez e loucura, mostrando como a linha que as separa é tênue e, muitas vezes, subjetiva. O hospital Santa Dedálica funciona como um microcosmo das complexidades da mente humana. É lá que Urbano, ao observar os comportamentos dos pacientes e dos próprios colegas, começa a enxergar o mundo – e a si mesmo – sob uma nova perspectiva.

Além da profundidade filosófica, a obra também se destaca pela sensibilidade com que trata os sentimentos humanos. A escrita de Fernandes é cirúrgica, tocando nas angústias, desejos e contradições que todos enfrentamos. Ele conduz o leitor por um caminho de reflexão que desafia e emociona.

Errantes do Pensamento é uma obra para quem busca mais do que entretenimento: é para quem deseja ser provocado, instigado e transformado. Com sua narrativa fragmentada, diálogos profundos e uma linguagem que flerta com a poesia, Álvaro Fernandes entrega uma rapsódia filosófica que não apenas explora as profundezas da mente humana, mas convida o leitor a embarcar em sua própria jornada de autodescoberta. Um livro que, em sua complexidade e beleza, deixa marcas duradouras naqueles que se dispõem a enfrentá-lo.

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