Existe uma linha tênue entre sorte e abandono. Entre o momento em que tudo pode mudar e aquele em que tudo desaba. Mega da Virada, de Wagner Jales, parte de uma premissa simples: alguém ganha na loteria e desaparece, mas transforma isso em uma narrativa inquietante, instigante e recheada de camadas.

Na noite de 31 de dezembro, poucos minutos antes do ano novo, Luciano recebe uma notícia que muda tudo: seu namorado, Pietro, ganhou sozinho o prêmio máximo da Mega da Virada… e desapareceu. Sem aviso, sem bilhete, sem pistas. E é nesse hiato entre o espanto e a ausência que a história começa a pulsar.

Pietro apaga todos os rastros: exclui redes sociais, desativa o telefone, se apaga do mundo. Enquanto isso, Lu fica com o que sobrou, e com o que ninguém vê: a dor da ausência não explicada, um filhote de cachorro chamado Centavo, parcelas de um apartamento na planta e os destroços emocionais de uma vida planejada a dois que se desfez antes mesmo de começar.

Desaparecer é só o começo

O que poderia ser um drama romântico previsível se transforma nas mãos de Wagner Jales em uma experiência narrativa densa e provocativa, onde o que menos importa é o dinheiro, e o que mais importa é o impacto da ausência sobre quem ficou.

A trama, contada com uma prosa envolvente e muito bem construída, mergulha no estado de consciência fragmentado de Luciano. O luto aqui não é pela morte de alguém, mas pela ausência inexplicável de uma presença fundamental. É um sumiço que corrói, que provoca, que perturba.

E nesse processo, acompanhamos Lu tentando reorganizar sua vida em meio ao caos: reconectar-se consigo, entender o abandono, questionar os silêncios de Pietro e os próprios silêncios que ele carregava na relação. Wagner conduz essa jornada com uma carga emocional que cresce sem forçar, ela simplesmente acontece, e nos arrasta com ela.

Mais do que um desaparecimento

Mega da Virada é sobre afeto, sim. Mas é também sobre o tempo, os vínculos, as feridas que não cicatrizam por falta de resposta.

O texto oscila entre a crueza do cotidiano e a densidade simbólica das entrelinhas. A narrativa tem algo de onírico, de um mundo suspenso entre o real e o que poderia ter sido.

E se por um lado acompanhamos a dor de Luciano, por outro, o livro nos instiga a pensar em quem é Pietro, em seus motivos, em seus traumas.

A ausência dele se torna um personagem. Há ética, há crítica, há um retrato da nossa sociedade individualista onde desaparecer é, muitas vezes, uma forma de poder.

Literatura para virar a cabeça

Com uma linguagem contemporânea, marcada por escolhas estilísticas ousadas e uma informalidade que aproxima o leitor da dor e da confusão do personagem, Wagner entrega uma história que vira a cabeça de quem lê no melhor dos sentidos.

É uma narrativa que nos desarma. Que transforma a premissa da “grande virada” num espelho: afinal, o que é que a gente realmente ganha quando perde tudo? O que resta quando o outro se vai levando promessas, planos, e um pedaço do nosso próprio nome?

A ambientação é crua, urbana, cheia de detalhes que ampliam a atmosfera emocional do livro. E ainda há espaço para humor, ironia, pequenas esperanças. O cachorro Centavo, por exemplo, é uma das presenças mais simbólicas e cativantes da trama, um lembrete de que, mesmo no abandono, algo (ou alguém) ainda fica.

Mega da Virada não é sobre números da sorte. É sobre a imprevisibilidade da vida, os abismos entre as pessoas e os silêncios que se tornam ensurdecedores. É sobre recomeçar com menos certezas e mais verdade.

Wagner Jales entrega um livro potente, atual e memorável, daqueles que marcam a leitura com intensidade e sensibilidade. Se a virada do ano costuma simbolizar novos inícios, essa virada, aqui, redefine tudo.

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Jornalista formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Mestrando em Comunicação pelo PPGCOM da UFPE. Amante da cultura pop, apaixonado por livros e adora escrever sobre temas diversos. Além disso, é um entusiasta de música, filmes e séries, sempre buscando explorar e compartilhar suas impressões sobre o mundo do entretenimento.

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